Deus do sacrifício


“Existe um Deus do Sacrifício 
Que nos tenta a fazer uma oferenda por dia” 

Se já não tenho um opressor, um Deus exterior  
Um pai para me bater, ameaçar, diminuir 
Pastor para desvirtuar minhas virtudes, proibir minhas vontades 
Pecaminar meus desejos e apagar minha luz 
Eu me flagelo sozinho
Pois flagelo eu conheço 

Torno minha vida de sucesso 
Insuportável, infernal 
Consigo tudo que imaginei querer
Mais do que jamais sonhei 
Abandono e destrato quem me faz bem
Busco pela dor e a angústia da solidão e da falta
Às vezes a dois, a um e meio
Que conheço tão bem
Que me embala a noite há décadas  
Me gelou o coração por éons 
Quando dormi lado a lado com o medo da morte
Da fome, da caveira, do uniforme
Com medo de mim 

No auge do sucesso 
Memento Mori 

Mas não morri 
Nem ontem, nem hoje 
Se colocar uma sementinha na terra
Talvez a veja brotar, até crescer 

Reguemos enquanto vivos 
Bebamos água e não o veneno do autoengano

Solte a cobra fora pela cabeça sem que ela te morda 
Acorde mais cedo para a corrida 
Mais ainda para o gozo a dois 
Tome a vitamina, a do pote ou a da mesa
Agradeça pela omelete mas diga que prefere ovos mexidos 
Brinque e implique com mais carinho por essa
Menos comparação com aquela 
Ouça o amor de mãe sem abrir mão do amor de amor 
Ame, apesar da inveja amiga, porque você merece 
Apesar da inveja dos amigos 

Não deixe que te ensinem como amar
(Nem mesmo eu)
E continue firme, mas em escolhas suas 
Não se deixe levar tão leve para último adeus
Nem durma abraçado ao Deus da Morte
O do Sacrifício 
Ou qualquer outro Deus  

Continue não desistindo do começo do amar
(Tente não desistir no meio também) 
De recomeçar 

Talvez a sua teimosia de amar
Seja sua maior potência
E só me inspira ainda 
Porque eu queria ter teimado mais 

Com braços leves
Abrace o sonho de ser feliz, só feliz
Só hoje, só amanhã
Só um dia de cada vez
Só mais uma rega de água, sem fel 
Pelo resto da vida 

Memento Mori
Enquanto vivos

Comentários

Postagens mais visitadas