Inutilia truncat


Jogue fora
Tire da vida tudo que te atrasa, te atrapalha 
Guarde talvez, numa caixinha bem pequena
O que foi bom, o que durou 

Mas jogue fora
As rosas secas, queime 
Os presentes que não deu, use
Aquele anel… guarde, mas não use mais

Mantém de inúteis 
Só as coisas gostosas da vida
O que não dá lucro nem lágrima 
Os inúteis prazeres, apenas, que fazem sorrir 

A dorzinha masoquista 
Após uma hora de esteira inclinada ao máximo
Ou duas de caminhada à beira do mar 
Pela manhã, sob a primeira chuva fraca 

As plantinhas que se multiplicam, inúteis
Não alimentam ninguém além dos pulgões 
Mas colorem de verde as paredes, úteis 
Que contém meu desejo de maternar 
Dão o orgulho de ver crescerem meus verdes bebês  

Jogue fora o que atrapalha, tropeça 
As pesadas mágoas penduradas no teto
Ameaçando esmagar quem dorme 
Derrubam a casa e, soterrados pelo peso do acúmulo  
Morrem o amor da neurótica e do neurastênico

Me livro também dessa janela distante, inútil
Com duas lâmpadas de cores diferentes
Da alma que não me olha de volta 
E sigo pela abolição desses grilhões onde me prendi
Mesmo depois de livre 

Jogue fora toda essa tentativa de amor masturbatório
Sem abraço do outro, a mão esfregando as fantasias, as teclas
Gozando de olhos fechados com gente inventada 
Sem pagar o preço que custa o corpo que responde 

Jogue fora a Olímpia 
Com quem se dança à distância por uma luneta 
Pra quem as juras de amor nunca mentem 
Sem olhos, sem alma, agarrado pelas garras da loucura

Um dia eu jogo fora, um dia eu paro 
Só mais um cigarro, mais um poema
Na próxima loteria eu ganho 
Bebo hoje mas amanhã não
Essa é a última vez que olho para essas janelas… 

Mas o cigarro eu já parei 
Na loteria apostei nove, ganhei cinco e não valeu nada
Já não bebo há uma semana 
E da janela… quem sabe?

Jogue fora a espera e a esperança, é inútil 
Mas deixe o poema ficar

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