Vergonha, culpa e reparação
Era uma vez um dia
Que demorou mas veio
Em que a verdade chegou de soslaio
Entre um consolo e um desabafo
É claro que você não confessaria seus pecados
Para isso precisaria admitir a culpa
Se ver nessa posição de imperfeito
E entendi que seu silêncio não foi culpa, foi vergonha
Culpa a gente tem quando faz algo ruim
Sabendo ou não sabendo, mas meio sem saber
Querendo ou não querendo, mas meio sem querer
Quando faz algo que machuca ou magoa
E se arrepende, se repreende internamente
Entende que descumpriu alguma linha ou letra pequena
Do nosso próprio livro de regras
Vergonha é quando a gente faz e quer fazer
Sabe que é errado, sabe que vai magoar
Mas não importa porque a vontade é mais gostosa
E só se arrepende quando descobrem
A sorte da culpa
É que exigimos de nós mesmos uma reparação
Uma roupa que amamos que se rasga
Vai receber um coser carinhoso
As vezes fica uma marquinha, a linha de outra cor
Mas com cuidado o suficiente
Preferimos cobrir tudo com um bordado delicado
Do que fingir que nada se rompeu
Eu sempre escrevo sobre seus pés
Hoje lembrei do dia que você massageou os meus
Uma única vez, bem no começo
Quando você ainda se preocupava
Em devolver meus gestos de amor com amor igual
Eu me apavorei quando vi
Que só você podia tocar meus pés
Sem reações violentas fora do meu controle
E pensei “ele pode fazer o que quiser comigo”
Deu medo
Foi na época que a gangorra subia e descia com suavidade
Algumas batidas mais fortes, um susto
Quando você ainda não me amava
E por isso não tinha vergonha de me dar amor
Não posso fazer mais nada agora
Você só vai se curar de si
Quando ouvir a própria voz e admitir sua própria culpa
Enxergar seus erros comigo, com todas
Tomar posse da sua vida
Como estou fazendo com a minha
Se um dia esse dia vier
Eu mereço um pedido de desculpas
Por todas as vezes que me desculpei aos prantos
Sem saber que o meu erro era ainda te querer
Enquanto isso, não posso esperar sentada
Pelas desculpas que talvez nunca venham
Por palavras de amor que nem sei mais se você sente
Nem por encontros que você não quer
Desde o primeiro adeus
Eu tentei costurar sozinha
Os trapos de amor que você me deu
E fazer deles cobertor pra nós
Só o que você fez foi reclamar
Que eu tenho desejo demais
Que eu falo demais, quero demais
Que não te entendo, não adivinho, não respeito
Você diz que tem seus momentos
Mas me abandona nos meus
Não permite que eu fale nem que eu cale
Me exige paz e tira a minha
Pois já não posso mais sofrer tão só
O que eu queria era ter asas largas
Pra voar devagar dessa janela insondável
Mas não confio em ninguém pra regar minhas plantas
Você disse que precisava de um tempo
Que eu te atrapalhava, que queria paz
Pois se não pode mais me amar
Tente ao menos me dar essa paz que eu te neguei
Pela segunda vez eu precisei dizer adeus
Pra que a espera por você não me matasse
Eu não sei mais parar de chorar de saudades
Mas amar também é impor limites
As vezes o mais amoroso é quem precisa ir embora
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