Se ao menos inveja matasse…

Me pego as vezes contemplando a finitude 
E pergunto, daqui a trinta ou quarenta anos 
Qual de nós dois velhinhos vai chorar 
Lembrando desses dias que jogamos fora?

Meus primos estão juntos a trinta e um anos 
Vieram pensar um futuro, juntos ou não 
E os vi observando o passado
Tentando vislumbrar um amanhã entre as nuvens  

Eles casaram novos e depressa
Ele mudou toda a vida e foi morar no sul
Depois mais pro sul e com mais frio 
Construíram uma família de invejar 

Ele disse que nada disso fazia sentido sem ela 
Ele faria qualquer coisa por ela
Será que estamos sempre fadados a dar tudo
Pra quem, de nós, não quer mais nada? 

Eu sempre quis morar fora e meu ex marido não 
Ele recusava veementemente, odiava a ideia
Disse sobre filhos que, se eu queria, podia ter
E hoje mora com a mulher e o filho em Portugal

Você quase largou tudo por alguém 
Mas largar de mim foi menos trabalho  
Eu te ganhei depressa e te perdi aos poucos 
Na primeira semana tive chave e tudo

Eu escrevia a minha escala e você comia 
Queria fazer curso de cinema e me ver todo dia
Depois só nos finais de semana 
Mas só nos que eu não tinha folga

Eu merecia todo dia mas ganhei a quarta 
As vezes a segunda à noite  
O domingo é da corrida, sábado é da mãe 
A sexta da exaustão 

Nunca tinha desejo a noite
Se tinha não queria, se negava, me negava 
Quando vinha de manhã não dava tempo
Porque o trabalho era mais importante, até quando não era  

Tudo era motivo pra não tocar
Quando tocava, lembrava da outra
Dentro de mim, reclamava dela 
Mas conversavam em segredo 

Ela te mantinha de longe largando tudo
Principalmente eu
Invejosa, não te dava nada
Mas não te deixava ser feliz

Eu não sei se a inveja dela era de mim por ter você 
Ou de você por se ser e se ter tão bem
E como todo o bom invejoso
Destruiu o que não teve nem quando quis 

Consumiu em chamas, derreteu
Nosso amor que era chama virou lava
Cobriu tudo de inveja líquida 
Veja bem, no primeiro poema eu falei que a invejosa era eu 

Dessa vez eu tive inveja da minha prima 
Por talvez eu nunca ter sido amada como ela 
Nunca tive alguém que faria qualquer coisa por mim
E isso me entristeceu 

Olhei pra minha vida e percebi
Que eu largaria tudo por todos que amei 
Será que algum deles mereceu
Ou eu que me desmereci?

Quando te conheci eu finalmente tinha decidido 
Que nunca mais abriria mão de nada 
Por ninguém, que era hora de ser inteira 
E quem quisesse me abraçaria assim 

Você abraçou, admirou, quis 
Deu datas pra todos os passos,
Adiou todas, não cumpriu nenhuma
Olhando pro mar, fiquei sozinha a ver navios 

Agora eu quero ter filhos que não sonhava mais
Pisar em chão de madeira que não é minha 
Dormir abraçada com quem me evita
E parar de escrever tristezas que ninguém lê 

Mentira. O que eu quero são os nossos filhos 
Qualquer chão de qualquer casa nossa
Que você me abrace e me ame pra sempre
Que cante uma canção de amor no meu ouvido, na nossa cama  

Eu já não chorava assim a semanas 
Mas o seu cheiro ficou no meu nariz
Os seus dedos na minha mão 
E a minha boca quer muito mais do que ganhou

Agora eu quero sair pela madrugada
Sentar no gramado da frente do seu prédio
Olhar pra luz na fresta da janela 
Até ver a sua sombra passar pela manhã 

Que Deus me ajude
Que eu sobreviva 
Porque a quintessência da vida é tentar
Mas eu não sei mais viver à distância 


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