Mamãe volta
Das minhas primeiras memórias
Eu lembro do desespero do adeus
Eterno, insondável, indescritível
Quando minha mãe saía pra trabalhar
“Mamãe volta” ela dizia
Ou não dizia mas eu construí depois essa afirmação/conclusão
Mas isso não me acalmava
Criança não entende de tempo
Eu só sabia que ela não estaria mais lá
E que sem ela nada no mundo fazia sentido
Nenhum brinquedo ou desenho ou pai ou irmã
Me alcançava no fundo desse abismo de abandono
Lembro de ser sempre a última aluna
Que a mãe chegava pra buscar na escola
A última da lista nos esportes
Entre as “ficantes”, a mulher que não era escolhida
Mas a mamãe batia na porta
Toc toc toc
E voltava do trabalho e ficava tudo bem
Ela me buscava e me abraçava e ficava tudo bem
Eu marcava um gol, celebravam e ficava tudo bem
E você me escolheu…
Ficou tudo bem?
Minha analista hoje disse que eu preciso
Analisar menos e sentir mais
Mas analisar é isso
Dividir algo muito difícil em pedaços menores
Mais fáceis de estudar, de entender
Se pensar nessa coisa gigante que a gente viveu
Como um bloco só, eu enlouqueço
Não faz mais nenhum sentido eu continuar te amando
Sem receber nada de volta
Sem perspectiva de futuro
Sem confiar no passado
Por isso eu nos escrevo nesses pedaços
Pequenininhos, nesses momentos
Nessas coisinhas que foram ditas e vividas e sentidas
Porque o que eu sinto não cabe num poema só
Numa explicação
Cabia numa frase quando eu podia dizer
Eu te amo
E fazia sentido na mesma frase
Quando você dizia de volta
Eu te amo
Nessa nossa triangulação edipiana
Você foi e não voltou
Eu racio(a)naliso porque sentir tudo só, dói
Porque você diz que eu falo muito
Mas meu sentir é silencioso e dorme abraçado
E o silêncio é facilmente esquecido
Deixado pra lá
Substituído por quem faz mais barulho
Por quem perturba melhor a paz
Eu não escrevo nada disso achando que um belo dia
Você vai acordar e pensar eu que sou o amor da sua vida
(Embora eu seja)
Ou que a gente vai se perdoar por um monte de coisas
Eu acho que isso só vai acontecer daqui a muitos anos
Quando você acordar com choro de criança
Perceber que já é feliz a mais tempo do que foi triste
Que já gosta mais de companhia do que de ficar sozinho
Porque sabe que nenhum de nós vai embora de verdade
Que até depois da morte
A gente já mora no seu coração até ele parar de bater
Nesse dia, você vai pensar
Que guardou espaço vazio em si por tanto tempo
Com medo de não caber todo mundo, de não sobrar lugar pra você
E vai ver que seu coração é enorme e elástico
E foi se abrindo e abrindo
E cobrindo mundo que você deixou crescer
Fora de você
E que ainda assim
Sobrou espaço pra esse vazio de que você gosta
Toc toc toc
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