Fluir, fruir ou ir


A hora é disso, fluir
Deixar a (m)água presa ir embora 
Como um rio que, estagnado, virou pântano 
Volta a torrente veloz, lava as pedras

Não suporto mais ser tratada como luto
Ainda bem viva, tão perto
Inserida com raiva nessa narrativa delirante 
Do desejo por distâncias intransponíveis

Eu sou de (na)morar do lado
Deixar lista de mercado na geladeira 
Passar perfume na cama 
E acender velas pro nosso banho 

Eu quero saber todos os dias
“Como vai você? Eu preciso saber da sua vida”
Mas à mesa do jantar, ouvindo sua voz (b)em vivo
Mimetizando seu riso, pesar, seu peso sobre mim

Quero viver nossas fantasias 
De boca, de mente e de falta 
Ser o seio que te alimenta 
Ter preenchidos meus vazios também 

Mas já não ganho nem abraço de adeus
Menos ainda um beijo
Que aplacaria mais um dia de vazio 
Como uma esmola breve que disfarça a fome 

Você aprendeu a separar a razão e a emoção 
A ter fuga parcial das pulsões do corpo
Com qualquer corpo, de qualquer jeito
Sem olhar nos olhos, sem lembrar de amor 

Seus focos de afeto não te davam corpo nem afeto
Afetando seus afetos todos, todos parciais 
Não dá pra se dar todo pra quem não te cabe 
Eu entendo, também tenho afetações gigantes 

Mas não sei dividir, nem quero 
Nem devia precisar, você me prometeu tudo 
Entregou, sentimos juntos o gosto bom
Me arrancou da boca com raiva de outra 

Se veja e se entenda 
Se re(a)veja com seus desejos 
E só me veja quando puder me enxergar
Quando souber ser meu, eu, nosso, todo

Nosso amor não se faz à distância
Mas nossa luz se perdeu nesse abismo 
Quatro quadras intransponíveis, portas fechadas 
Eu vivo de tudo ou morro de nada 


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