Um basta
Um basta
Essa semana minha analista me deu um basta
Não um corte lacaniano ou uma interpretação
Foi uma batida na mesa, um tapa na cara
“Se toda vez que vocês se encontram é tão ruim
Por que você continua tentando?”
E eu comecei a chorar
É estranho, mas não importa o que passou de ruim entre nós
Sempre que me faço essa pergunta
Eu mergulho tão fundo nesse mar azul
Nessas memórias de amor, um turbilhão de paz
Vejo a mesa arrumada pro café
O arranjo de centro com nossas rolhas de vinho, pedras e conchas
A rosa que você me deu de surpresa depois da mudança
(que eu chorei tanto em silêncio no carro que demorei a agradecer)
Foi a primeira rosa que ganhei de um amor
Você nem era amor ainda, mas já era
Volto pro nosso primeiro encontro
Quando eu disse que se tivesse máquina de lavar louça nunca tinha me separado
Você rindo muito porque tem
Lembro de olhar pro relógio e brincar: que pena, o cartório já fechou
Pulo para todos os meses depois
Eu lavando a louça de manhã por horas
Porque nunca colocamos a máquina pra funcionar
De você me abraçando por traz e me beijando a nuca
Lembro da primeira vez que você me tocou
Me beijou toda, me cheirou inteira
A noite e mais uma vez de manhã
O mesmo na minha casa uma semana depois
A primeira vez da minha cama cara e virgem
Me comeu na janela com cigarro na mão e tudo
No pelo, enquanto dizia que ia me fazer um filho
Como se a noite fosse sua casa e não a minha
Tudo nosso era a noite
A gente comia, bebia e se comia e se bebia
Só quase um mês depois você me disse
Que nunca fazia amor a noite
Eu ri dessa vez
A dez anos não ouvia falar de “fazer amor”
Era isso que a gente fazia?
Eu não falava nem fazia amor com ninguém a tanto tempo
Foi quando comecei a conhecer o você real
O que não amava a noite
Não falava muito também, chegava cansado
Ficava em silêncio e me dava angústia
Mas uma vez você me viu
Percebeu que eu ia embora porque não me sentia amada
E pediu um abraço que me fez chorar
Me deixou chorar, acariciou a minha cabeça
Foi ali que eu te amei pela primeira vez
Você estava cansado, em crise
Mas achou um espacinho ali pra acomodar a minha dor
Onde eu vi adeus voando, você fez ninho
Dessa vez você disse “fica aqui hoje
Amanhã você volta pra casa”
E ali eu te amei
E aprendi a gostar de aninhar você também
A gente não cuida ou descuida conscientemente
Até as coisas boas a gente faz porque só sabe fazer assim
Eu sempre te cuidei, mas ali decidi
Que te cuidaria e daria amor até o fim
No dia que conheci sua mãe
Ela me disse na cozinha que você estava muito feliz
Que falou que eu te fazia inteiro
E eu abri meu coração
“Sabe, ele e eu somos cuidadores
Em todas as relações a gente se acostumou a dar
Bem mais do que receber. Amor, cuidado.
E pela primeira vez eu sinto que recebo tanto quanto dou”
E eu chorei um pouquinho e abracei ela
Ela me chamou de filha e abraçou de volta
Disse que só queria isso, alguém que fizesse você feliz
Que você merece ser feliz
Não consigo saber bem quando a balança quebrou
Quando você parou de devolver o amor e o cuidado
Quando começou a me culpar por não ter tempo
Por não escrever, não ver os amigos
E por todos os nãos que me cabiam nos braços
Quando parou de me abraçar quando eu chorava
Eu também merecia ser feliz
Eu gostei tão mais de mim do seu lado
Da mulher forte que conserta, cozinha, estuda, escreve
Fiz de tudo pra ser amada daquele jeito do começo
Mas você guardou todo o amor pra si
Não aguentei carregar só todo o peso da gangorra
E a analista perguntou: o que você quer?
Eu quero de volta o amor que você dava
Que você era
Quero ter você pra dar mais uma vez o amor que eu dava
Quero ser aquela que eu amava porque te amava
Porque era amada por você
Eu fui embora porque você não me escolheu mais
E aprendi com você que amar é sobre se escolher também
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