Sob a luz que grita
Todos os dias o espelho me sussurra
Mais um dia
Menos um dia
E tem dias que eu me pergunto: e se?
E se não tivesse casado? Separado?
Se tivesse tentado melhor o filho
Tratado melhor a mãe, a irmã
Conhecido mais o pai
E se tivesse depois casado
Com aquele que era engenheiro, ou o músico
Que fim triste teria o caso mal tentado
Qual me faria mal tratada, e eu mal tratado
Que diploma ficaria melhor na parede
De quantos é preciso pra cobrir o branco feio
Do aluguel frio e temporário
De cantos pequenos, maltrapilhos
Com quantas paredes se faz lar
De que cor elas estão pintadas
A luz seria quente como um coração lento
Ou fria como uma vitrine, um hospital?
Mas nesses últimos anos
Tive mais quartos de hotel que casas
Quadros impressos de paisagens em PB
Corações vazios, olhos vazios, nomes impróprios
Cheia de casas mas sem lar pra voltar
Prefiro o silêncio ruidoso dos meus quartos frios
Cobertas e toalhas com a ponta puída
Camas macias demais, duras demais, vazias
Sob uma luz fraca e branca que grita
Me satisfaço passando os dedos
Gemendo, por lombadas de livros
E tomando banho de água quente
Parece que continuo na mesma sina
De perder ilusões para as inventadas, as outras
Para todas, de todos os lugares e nenhuma
Dos homens que nunca realmente tive
Cada dia me sentindo mais nova
Cada dia mais perto da morte
Sem entender essa juventude velha
Que compartilho diariamente com ninguém
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