A dor não respeita ninguém


Eu li que amar é respeitar a dor do outro
E fiquei triste 
Pensei que se é assim 
Talvez eu não te amasse tanto quanto as minhas certezas diziam

Ou pior, que não te amasse certo
Logo eu, tão orgulhosa desse amor bonito
Tantas vezes te joguei na cara
As dores que você me deu em confidência 

Eu já ouvi isso uma vez 
Que estava usando segredos como arma
E foi alguém que me fez muito mal, sim
Mas não foi você 

Sabe, Freud dizia que onde o amor vira ódio
O ódio existia muito antes do amor
E se eu te amo tanto que não cabe nada de ódio 
Por que te tratei tão odiosa tantas vezes?

Veja, não te tiro as culpas que te cabem
Mas ao ver as roupas e sapatos de outra 
Te joguei roupas e sapatos de outros
Que não te cabem, não te servem

Que não nos serviram pra nada

Como não odeio você em nada
Mergulhei aqui nos meus ódios 
Nesse guarda-roupa escuro 
Onde escondi meus monstros

Não é você 
O homem que batia na mãe, gritava com a irmã
Me dava um amor que eu não pedi
Não sabia que queria porque tinha
E foi embora de casa sem adeus 

Não é você
O jovem grande demais 
Que me roubou beijos aos nove anos
Namorou a minha irmã e disse “se você contar…”
Que me roubou a paz da casa 

Não é você 
Nenhum dos homens que tentaram me conquistar
Para conquistar a minha mãe 
E foram embora quando viram que nunca teriam
O primeiro lugar no pódio 

Nem tão pouco 
Os que me amaram, ou mentiram
Que me deram gozo com gosto de adeus
Dividiram de mim as partes
Despedaçaram as boas, deixaram os cacos

Eu já amei bonito um dia
Quando a depressão não me deixava pensar demais
Só acordar, dormir, comer 
Não reclamar, não sentir dor 
Ou não saber onde dói tudo porque dói… tudo

Eu te peço desculpas agora, de coração 
Você também me deu dor que não era minha 
Mas acho que foi sem querer 
Com a cabeça mergulhada na minha dor 
Eu não soube respeitar a sua 

É que você veste os seus passados com tanto orgulho
E usa eles de armadura, tão forte
Que as vezes eu esqueço que são traumas 
E o seu distanciamento nem sempre deixa ver o sangue escorrendo 
Das vezes que eu te bati também 

Parabéns. Me perdoe.

A terapia ajuda, mas não cura 
Espero virar um queijo curado com o tempo
Mais firme, melhor um pouquinho a cada dia
Mais palatável   
Mas amar com sanidade é mais difícil 

E eu agora não sei mesmo se sou tão boazinha assim



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