Venera


Logo que te vi, me senti vista
Beijada com os olhos, a boca mordendo o lábio
Me esfregando na pele um perfume verde
inebriante
Que agora apenas a memória vende 

Me aperta
Me raspa entre as coxas a barba de ontem
Os dedos nos flancos me lendo em braille 
Me aperta e morde onde escondo o grito 

Me venera
Me chama de Deusa e me oferta o mundo
Derrama exclusivo o desejo no ventre
Abre a porta, entrega a chave, entre

Me espalho
Aconchego no peito, conforto quente
Derreto em água fria, bolhas, carícias
Te amasso os pés, as coxas, as carnes 

Se esconde 
Desdiz o que disse, desdenha o que digo
Amarra um grilhão entre nosso laço 
Um peso de culpa que engulo e arrasto

Me vendo
Desvejo dos cantos a poeira que esconde
O desejo vermelho a ti negado, me negas a noite 
Entrega com preguiça nas manhãs de olhos fechados 

Me negas
Te dou até as partes que não pede, que nem sei se quer
Te aperto contra as pernas, contra os peitos 
Arfando contra as partes de ti de quem me apartas 

Te quero
Em tantas partes, tantos pontos 
Em teus portos, rabiscos, recantos 
Perdida nos seus mapas, me grita que eu te encontro 

Volta
Me verte em goles que eu te venero inteiro
Politeísta e grave 
Como uma tragédia grega, uma epopéia

Tentando, te abocanho a pelve 
Amasso, mordo e devoro as intensidades 
Um sparagmós de delírios de paz 
Despedaçadas, devassadas e engolidas

De nada adianta
Nenhuma Deusa mantém fé sem milagre 
Pranteio insone as promessas descartadas
Regando de lágrimas a semente de esperança 
 
Junto nossos cacos 
Pedaços, tropeços, vazios insanos
Decoro de espelhos pra nos refletir 
Num mosaico bacante, um caleidoscópio mítico 

Complexo e metódico, infinito 
De pedras cintilantes, conchas e grãos de areia 
Somos feito Adão e Eva de arte abstrata
Monogâmicos, monoteístas, pecadores  

Te espero nesse estranho sonho bom
Rascunhando um paraíso incerto 
Um dedo em riste buscando teu toque
Enquanto abraço uma maçã mordida 

Comentários

Postagens mais visitadas