Apatia

 

Acordo mas não acordo
Abro os olhos devagar
Para que alguma luz ilumine as sombras
As dobras tediosas da minha massa cinzenta 

Chega uma breve mensagem
Sem espaço para conversas prolongadas
E meus dedos longos passeiam 
Por uma tela vazia

Por fotos e vídeos vazios 
Por caras de pessoas vazias que eu não desejo
Notícias tristes de um mundo mais vazio que eu
Por planos que não quero com amigas que mal conheço  

Me reviro na cama e abraço a coberta de estrelas
Me deito sobre o seu lado
Mas já não há nada seu aqui
As marcas de amor foram lavadas várias vezes

Zé Ramalho não se banhou por duas semanas
Pra não perder o cheiro da sua amada Gigi
Eu queria ter feito isso
Ou pelo menos ter roubado uma peça de roupa sua

Que eu usaria para dormir
Para morder 
Esfregar no corpo em chamas
Seria a corda a me enforcar

Meu estômago ronca 
Mas não quero as forças pra levantar 
Quero guardar tudo dentro de mim 
Dormir por seis meses como um urso

Quero acordar de uma hibernação
Fraca, e faminta
Mas numa nova estação 
Com cores, flores e você com um beijo de príncipe 

Mas aqui já é verão 
As cores são de todas as cores
A monocromia mora em mim
Tanto vazio não combina com esse dia bonito

Queria morar na Sibéria 
Onde a morte por congelamento vem lenta
Mordendo as pontas dos dedos
Deslizando como um abraço de Morpheu

Até as lágrimas agora rolam bem devagar 
Tão devagar que consigo ler sobre elas
Escrever sobre elas
Que secam e colam antes de tocar o travesseiro

Eu só queria dormir por seis meses
Pra ver se o vento e a terapia te traziam de volta
Ou se um predador me devorava morta-viva
Pra eu não ter que morrer lentamente afogada em saudade

Minha apatia é a morte de todas as pulsões

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