Tudo que dói mais depois
Ela nunca foi de chorar
Quando criança talvez, ela não se lembra
Não dava pra perder muito tempo chorando
Cuidar sozinha de si da muito trabalho já
Nessa de cuidar, pegou gosto
E estava sempre cuidando de alguém
Todo mundo olhava a criança e a chamava de mãe
Pegou um pra criar
Nem lavava as mãos, o menino
Ela tratou bem dele e o chamou de amor
Um dia percebeu que ele estava crescido
Pediu que cuidasse de si e talvez um pouco dela
Ele rapidinho já arrumou outra mãe
Ela fechou o coração mais um pouco
Virou o pai que paga as contas
As vezes derruba um pouquinho só de amor
Quando o pai morreu,
Chorou só duas vezes
Uma sozinha, quando nunca se sentiu mais só no mundo
Que mundo era esse, que só tinha ela?
E outra quando a amiga perguntou se tinha chorado
Ela disse que não, que não precisava, que já passou.
E a amiga disse “comigo você não precisa ser forte”
Teve um passarinho confuso
Que entrou na sua casa um dia
Dizendo que faria ali um ninho
Mas só fez bater asas naquele coração apertado
Deixou tudo coberto de penas, de pena
E foi embora sem olhar pra trás
Tanto tempo de coração fechado
Pra reforma, vende ou aluga
Passo ponto, passou do ponto
Por uma brecha entrou um coelho
Prometeu Páscoa, trouxe família
Mas sempre atrasado, muito atrasado
Correu atrás dele, achou que pegava
Tão lindo e tão vivo
Mas estava atrasada, muito atrasada
O relógio dele batia em outra hora
Corria pra outra direção, pra longe
Ela tentou pegar, mas ele não deixou
Levou tudo que trouxe
Deixou buracos no chão
Nem um aperto de mão…
E hoje, depois de velha
Ela chora sob o cobertor
Sem hora pra acabar
Sem sono pra dormir
Com hora pra acordar
A caixa de lenços que não basta
Chora tudo que não chorou criança
Nem pelos meninos da escola
Por toda a dor que se escondeu
Tudo chora pior mais tarde
É melhor chorar na hora
Era melhor chorar num abraço…
Ela chora por uma vida toda
Quando acaba? Coitada…
É lágrima que não acaba mais
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